quarta-feira, 30 de junho de 2010

Pequenas notas: 1. A chegada do crack

No Brasil, os primeiros relatos de apreensão e consumo do crack surgiram em território paulistano quando do início da década de 90.

Neste período, os serviços de atendimento a usuários de outras drogas passaram a receber demandas por tratamento por parte de pessoas que já estavam bastante envolvidas com o crack.

O crack não é uma nova substância mas uma outra forma de utilização da própria cocaína. Ou seja, crack é a cocaína transformada numa forma sólida ("pedra") e volátil que pode então ser fumada.

Produz-se um efeito bastante potente, porém de curta duração. O que tende a promover repetidas utilizações aumentando as chances de se desenvolver uma relação de consumo intensificada com a droga.

A pedra da vez

Os tempos atuais têm se encarregado de fornecer as condições para a construção do enredo em que um personagem rouba a cena “consagrando-se” publicamente. Neste espetáculo toma parte um objeto de modesta dimensão, consistência sólida e coloração pouco harmoniosa. Popularmente convencionou-se chamá-lo de “pedra” ou, consoante a uma versão mais americanizada, crack.

Ofertado e distribuído no mercado não legalizado das cifras e trocas, caiu no gosto de seu público e no imaginário social (ferozmente alimentado pelos mais variados discursos e palavras de ordem).

No Brasil, em duas décadas o consumo abusivo de crack se alargou, atingindo distintas e distantes geografias. Atravessou fronteiras entre estados, aderiu ao cotidiano de grandes centros urbanos, cidades de médio porte e áreas rurais.

Quer se tratem de megalópoles ou acanhados municípios parece estarmos defronte a um fenômeno essencialmente alheio e desatrelado à “ordem social”. O que se confirmaria tanto pelos problemas e desafios que de fato propõe à convivência coletiva (em grande medida opondo-se a ela) quanto pela natureza dos caminhos e meios de obtenção dos quinhões de satisfação e prazer; bem à margem dos socialmente compartilhados e culturalmente legitimados.

Entretanto, e de forma irônica, as motivações que convidam ao consumo de crack e – como conseqüência dele – à sua sistematização, em muito se harmonizam com o discurso social dominante (próprio da modernidade e pós-modernidade) cujas tramas se tecem a partir dos imperativos do sucesso, da pretensa auto-suficiência (narcísica!), dos grandes acúmulos de capital e do prazer desmedido; altamente valorosos porquanto incessantes. O sofrimento e as dores do mundo, cada vez mais impopulares e desalojados deste discurso, carecem de sentido e pertinência (entendida aqui como aquilo que permite que o sofrer exista enquanto tal e possa ser suportado e superado) e são alçados à categoria de “mal” a ser expurgado (“sentir dor é pra idiota”); expurgação realizada de qualquer forma e a qualquer custo. Prato cheio (certamente não o único) para a proliferação de práticas euforizantes e anestesiantes!