domingo, 3 de junho de 2012

"Sociedade Fissurada" saiu no Estado de Minas.

Novos olhares sobre a sociedade Especialistas vêm a Belo Horizonte para refletir sobre o mundo contemporâneo. Ponto de partida é desmistificar discurso sobre as drogas

Luciane Evans
Publicação: 03/06/2012 04:00
A psicóloga Andréa Costa Dias 
e a filósofa Márcia Tiburi destacam o consumismo exacerbado como característica forte dos tempos atuais  (Fotos: Tomas Arthuzzi/Divulgação)
A psicóloga Andréa Costa Dias e a filósofa Márcia Tiburi destacam o consumismo exacerbado como característica forte dos tempos atuais

Maurício é viciado em crack. A pedra traz certeza para suas angústias da mesma forma que os antidepressivos deixam Joana certa de que a vida faz mais sentido e seu humor não altera a cada pílula ingerida. A mesma confiança tem Joice, para quem o melhor mesmo é emagrecer a qualquer preço. Semelhante satisfação tem Raul ao entrar no Facebook e curtir amizades virtuais sem se envolver. Esses personagens são fictícios, mas poderiam ser reais, e doa a quem doer, há muitos deles entre nós.

Com a ideia de que estamos todos no mesmo barco ao buscarmos respostas para nossas angústias e nos refugiarmos nas primeiras certezas que aparecem, sejam elas as drogas ilícitas, legais, o amor romântico, os discursos científicos e até a corrida pelo corpo ideal, a psicóloga clínica Andréa Costa Dias e a filósofa Márcia Tiburi desembarcam em Belo Horizonte, em 13 e 14 de junho, para discutir um novo conceito criado por elas como reflexão (ou um tapa na cara) para essa nossa realidade: o de uma “sociedade fissurada”.

A expressão, que logo nos remete ao linguajar de um viciado em drogas, é o título do livro que ambas estão escrevendo. Com a obra ainda aberta e com promessa de ser lançada no ano que vem, as escritoras escolheram BH para abrir a discussão e, com isso, encontrar novos questionamentos e, quem sabe até, respostas por meio do debate na cidade.

A palavra “fissura” vem mesmo da gíria de um dependente químico, mas elas querem quebrar o muro que há entre os usuários e a sociedade. Por isso, ao colocar todos no mesmo patamar, a ideia é discutir o vício não só pelo álcool, cigarro, drogas ilícitas, mas trazer à tona a dependência da sociedade das sensações que também são provenientes do dinheiro, da busca pela beleza, dos medicamentos e tantas outras promessas de felicidade. “Essa sociedade já está fissurada na busca de construir sentidos onde não há”, explica Márcia, apontando o capitalismo como fonte para essa fissura.

O ponto de partida desse diálogo é desmistificar o discurso sobre as drogas, que, segundo explica Andréa, sempre estiveram presentes na história da humanidade. “Pensar numa sociedade livre disso só serve para endossar um ideal de associação entre o que é proibido e a segurança. Decretar guerra às drogas é o mesmo que decretar guerras às pessoas. A sociedade passou a se dividir em grupos: drogados e não drogados, pensando que, no universo dos usuários, ela não faz parte deles. E não é bem assim”, defende, acrescentando que ao pensar que todos nós fazemos parte desse mundo permite que tenhamos um olhar sobre nós mesmos. “Acaba-se com a ideia de que o mal está no outro e, por isso, temos que combater o outro”, destaca Andréa. Ela deixa claro que não há uma apologia das drogas, mas a vontade de debater sobre o discurso totalitário que se formou sobre essas questões. “Os discursos que estão aí não dão brecha para novos olhares e estão intoxicados pela moral”, ressalta a psicóloga.

Andréa compara a lógica da indústria farmacêutica à do tráfico. “Ambas têm a mesma teoria, ao oferecer curar a dor de viver, a angústia que há em nós e nossos questionamentos. Estão imbuídas do mesmo pensamento. Por isso, queremos trazer essa discussão de que não existe divisão entre o mundo do drogado e o do resto”, diz. A ideia não é dizer que todo mundo tem um vício, mas, sim, falar sobre uma necessidade mais complexa e contundente. “Fissura tem a ver com urgência e com a certeza de que as drogas acenam como garantia de ser tudo aquilo de que necessitamos”, afirma.

Ao quebrar esse muro invisível que a sociedade cria entre os drogados, considerados marginais, e aqueles que não dependem disso para ter sua satisfação, as autoras dizem que todos os seres humanos estão em busca de algo para curar suas angústias. “Vivemos na época do culto às sensações. E essa busca está em todas as classes sociais. As menos favorecidas vão consumir um determinado produto para encontrar essas respostas. Assim como a classe alta”, diz Márcia, apontando o consumo desenfreado como uma das drogas dessa sociedade fissurada. “Será que precisamos comprar tantas coisas? A TV, a publicidade e o cinema lançam sobre nós estímulos estéticos. Existe uma analogia entre os estímulos externos e os que saem dos objetos. Até a música é análoga aos estímulos que recebemos das drogas, sempre é o nosso corpo que será atingido.”
Vivemos na época do culto às sensações. E essa busca está em todas as classes sociais - Márcia Tiburi,  filósofa
Vivemos na época do culto às sensações. E essa busca está em todas as classes sociais - Márcia Tiburi, filósofa

A LONGO PRAZO Ao comparar uma pessoa que fuma maconha e outra que não consegue tirar os olhos da TV, por exemplo, Márcia reconhece que os efeitos são diferentes. “A erva pode torná-la mais lenta, distraída, mas é algo imediato. Já a TV vai fazer isso a longo prazo”, compara. O mesmo ocorre, segundo ela, com os viciados nas marcas. “A pessoa fica em paz no instante em que acredita na plenitude dos objetos em questão. Usam objetos, futebol, Deus, comida, o Facebook, o emagrecimento e outros para tapear a fissura mais fundamental, a da busca de sentido, por não saberem o que estão fazendo neste mundo. A sociedade não está feliz, mas encontrou muitos objetos para colocar na infelicidade incompreendida. Eles passaram a ser a resposta para o vazio e para a solidão. Aceita-se qualquer certeza, como forma de se tapear mais depressa, fingindo, assim, não se ter mais ferida.”

A cura para essa fissura, segundo apontam as autoras, está na reflexão. É por meio do diálogo que as especialistas acreditam que a sociedade poderá ter a resposta para a sua busca de sentidos. “A sociedade está rachada, apartada da possibilidade de pensar e refletir criticamente sobre o cotidiano e fazer suas próprias escolhas”, apimenta Andréa.

INSPIRAÇÃO

Uma das inspirações para o livro de Andréa Costa Dias e Márcia Tiburi é o filme Réquiem para um sonho, do diretor Darren Aronofsky. O longa conta a história de Harry Goldfarb (Jared Leto) e Marion Silver (Jennifer Connelly), um casal apaixonado, que sonha montar um pequeno negócio e viver feliz. Mas os dois são viciados em heroína. Já Sara, mãe de Harry, é viciada em assistir a programas de TV. Até que um dia recebe um convite para participar de seu show favorito, o Tappy Tibbons Show. Para usar seu vestido predileto, ela começa a tomar pílulas de emagrecimento e se torna viciada no medicamento.

>> SERVIÇO

O debate está dividido em quatro temas: “Sociedade fissurada – ética, estética e política da sensação”, “As drogas e o discurso da ciência”, “A fissura nossa de
cada dia” e “O que nos aproxima dos fissurados

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